sábado, 5 de janeiro de 2013

Albert Speer - Por dentro do III Reich (01)


Capítulo 01 - Origem e mocidade

Meus antepassados foram suábios, também descendentes de camponeses pobres em Westervald, sendo alguns oriundos da Silésia e Vestfália. Eram da grande massa de criaturas que passam por este mundo sem glória nem pena. Houve só uma exceção: o marechal hereditário Conde Friederich von Pappenheim (1702-1793),  que teve oito filhos com a minha antepassada Humelin, com a qual, aliás, não casou. E, segundo parece, não se preocupou muito com o bem-estar desses filhos.

Três gerações depois, meu avô Hermann Hommel, filho de um pobre guarda florestal na Floresta Negra, no fim da sua existência, acabou sendo o único proprietário da casa comercial alemã de máquinas-ferramentas e de uma fábrica de aparelhos de precisão. Apesar da sua riqueza, vivia modestamente e tratava seus empregados como um pai. Não somente foi dedicado ao seu trabalho, mas também possuía o dom de fazer que os outros trabalhassem independentemente. Era um homem típico da Floresta Negra, reflexivo, capaz de estar horas e horas sentado em um banco no bosque, sem dar uma palavra.

E o outro avô, Berthold Speer, naquele tempo, era um abastado arquiteto, estabelecido em Dortmund. Ergueu numerosos edifícios em estilo clássico, predominante naquela época. Morreu ainda moço, mas deixou uma herança suficiente para a boa educação dos quatro filhos. A industrialização durante a segunda metade do século XIX contribuiu muito para a prosperidade dos meus dois avós, não sendo esse o caso de outros que começaram sobre melhores auspícios. A mãe de meu pai, cujos cabelos ficaram brancos antes do tempo, infundiu em mim, durante a minha meninice, mais respeito do que amor. Era uma mulher sisuda, que se orientava por suas idéias, das quais não se afastava 1 mm, sendo dotada de tremenda energia. Dominava a todos que a rodeavam.

Nasci em um domingo, 19/03/1905, ao meio-dia. Dizia minha mãe que os trovões de uma tormenta de primavera não deixavam ouvir o repique dos sinos de uma igreja próxima. Meu pai, independente aos 29 anos (em 1892), era um dos arquitetos mais ocupados em Mannheim, cidade industrial de Baden, florescente naquela época. Tinha já realizado um considerável capital, quando em 190 casou-se com a filha de um poderoso comerciante de Mogúncia. O pomposo estilo burguês de nossa residência correspondia ao êxito e prestígio de nossos pais. Grandes portões de ferro forjado com grandes arabescos davam acesso a uma casa imponente em cujo pátio podiam permanecer dois automóveis.

Minha mãe, sentindo o orgulho de burguesa endinheirada, empenhava-se em manter a família no círculo das melhores de Mannheim. Sem dúvida, não havia mais do que umas 20 a 30 famílias em condições de fazer despesas com esse objetivo, despesas em que se incluía remuneração dos domésticos, um tanto numerosos. Meus pais faziam o possível por proporcionar aos filhos uma juventude satisfeita e livre de preocupações. Mas, além da satisfação desse anelo, havia as barreiras suscitadas pela sua riqueza e luxo, as obrigações sociais, o esplêndido serviço da casa, a governanta e o pessoal de serviço. Hoje, percebo como era artificiosa e incômoda aquela maneira de viver. Além disso, freqüentemente eu sofria de desmaios, perdendo os sentidos. Um dos médicos em Heidelberg diagnosticou: debilidade neurovascular. Essa deficiência física o originou um sofrimento e espiritual, submetendo-me desde cedo a desagradáveis circunstâncias na vida exterior. Na companhia de meus colegas de jogos, como também dos meus irmãos, mais robustos do que eu, sentia-me em situação de inferioridade. De vez em quando, eles criavam embaraços desagradáveis para mim.

Uma deficiência física, freqüentemente, sugere recursos para superá-la. As minhas dificuldades ensinaram-me a adaptar com maior flexibilidade ao mundo juvenil que me rodeava. Talvez se possa atribuir a minha deficiência física, na meninice, a minha habilidade em enfrentar situações difíceis e tratar com pessoas incômodas.

Quando estávamos acompanhados de nossa ama, uma senhorita francesa, tínhamos que nos vestir irrepreensivelmente, de acordo com a nossa posição social. Não podíamos brincar nos parques, para não falar das ruas. Nosso campo de jogos era o pátio interno da nossa residência e, não muito mais amplo do que a área de vários dos nossos quartos, rodeado pelas paredes dos fundos das casas vizinhas, de alguns andares de altura.



Aprendi as primeiras letras em uma elegante escola particular, onde se ensinava a ler e a escrever aos filhos das principais famílias da nossa cidade industrial. Sendo um menino cercado de cuidados, foram para mim muito difíceis nos primeiros meses na Escola Real Superior, no meio de discípulos indiferentes. Mas o meu amigo Quenzer não tardou em familiarizar-se com toda a classe de picardias, induzindo-me até a comprar uma bola de futebol com o dinheiro que recebia para meus gastos. Quando souberam disso em minha casa, houve um espanto geral, pois o futebol era considerado um jogo plebeu, e, além disso, Quenzer pertencia a uma classe pobre.

Nessa época despertou em mim a tendência para anotar os fatos, segundo um critério estatístico. No meu Caderno Fênix para alunos eu registrava todas as notas más, constantes no livro de aula, e nele relacionava, todos os meses, os nomes de quem fora repreendido o maior número de vezes durante o mês.

O escritório de arquitetura de meu pai era vizinho à nossa residência. Lá se faziam os esboços das grandes perspectivas para os contratos de construções. Os desenhos eram feitos em papel acetinados, de cor azul, mas esta, em minha lembrança, se confunde com a das paredes da sala. As obras de meu pai, influenciadas pelo neo-renascimento, tinham feito a abstração do estilo da mocidade. Mais tarde, serviu de exemplo Ludwig Hoffmann, o influente engenheiro-chefe da municipalidade de Berlim, cujo estilo era um classicismo mais sereno.

Eu tinha pouco mais de doze anos quando apareceu no escritório, como presente de aniversário para meu pai, minha primeira "obra de arte": o desenho de uma espécie de relógio da vida, dentro de uma caixa enfeitada de muitos arabescos, sobre colunas coríntias e volutas audaciosas. No meu trabalho, utilizei-me de todos as cores de aquarela que pude encontrar. Auxiliado por todos os empregados do escritório, compus uma figura na qual se conheciam claras tendências, à época, do estilo Império tardio.

Além de um automóvel conversível para o verão, meus progenitores possuíam, antes de 1914, um carro fechado, que servia, no inverno, para idas à cidade. Esses carros atraíam os meus entusiasmos de cunho técnico. Foram essas as minhas primeiras impressões, prenúncio da embriaguez técnica em um mundo que começava a ser governado pela tecnologia. Somente depois, tendo vivido vinte anos na prisão de Spandau, como um homem do século XX sem rádio, sem televisão nem automóvel, quando não podia sequer mexer no interruptor da luz elétrica, voltei a sentir uma felicidade parecida com a de quem, depois de dez anos de prisão, podia utilizar uma enceradeira elétrica.

Em 1915, tive contato com outro fato revolucionário no terreno das invenções técnicas. Estava em Mannheim um dos dirigíveis que tinha voado sobre Londres. O comandante e seus oficiais não tardaram em freqüentar assiduamente nossa casa. Convidaram a mim e aos meus irmãos a irmos ver o dirigível. Aos 10 anos de idade contemplei de perto a aquele gigante da técnica, subi a barquinha do motor, andei pelos misteriosos e quase escuros passadiços do interior da nave e estive na barquinha de comando. Quando ao entardecer o dirigível alçou vôo, o comandante fê-lo dar uma volta sobre o prédio da nossa casa, enquanto um oficial agitava um leque emprestado por minha mãe. Durante noites, estive angustiando pela idéia de que a nave poderia incendiar-se, ocasionando a morte de nossos amigos.

Minha fantasia não se afastava da guerra, dos avanços e recuos na frente da batalha, dos sofrimentos e castigos impostos aos soldados. À noite, durante meses, ouvia-se o longínquo troar dos canhões na Batalha de Verdun animado pelo desejo infantil de participar do sofrimento dos soldados, muitas vezes dormia no chão, ao lado da minha cama macia, supondo que estirado no assoalho duro identificava-me mais com as privações que os soldados sofriam na frente.

Também tivemos que padecer as conseqüências da má alimentação nas grandes cidades e do "inverno dos nabos". Tínhamos muito dinheiro, mas não dispúnhamos de parentes ou de conhecidos no campo, melhor abastecido. Minha mãe sabia preparar os nabos de modos diferentes. Mas eu sentia tanta fome que, aos poucos, fui me alimentando com as tortas para os cachorros, que se guardavam em um saco. Essas tortas eram duras como pedras, mas eu as ia devorando com um tremendo apetite. Também começaram os ataques aéreos a Mannheim (ataques completamente inofensivos, se comparados com os atuais), tendo caído uma bomba sobre uma das casas vizinhas à nossa. Começou então uma nova fase da minha mocidade.

Desde 195, possuímos, nas proximidades de Heidelberg, uma casa de veraneio, construída na encosta de uma pedreira de conde, segundo diziam que foi extraída a pedra para a construção do Palácio de Heidelberg, já havia tanto tempo. Por trás do terreno, levantam-se as montanhas de Ondenwald. Serpenteiam veredas pelo velho bosque da encosta. As clareiras permitiam, de quando em quando, descansar a vista na contemplação do vale do Neckar. Lá havia tranquilidade, um formoso jardim,  vegetação. O vizinho possuía uma vaca. Fomos para essa casa no verão de 1918.



Logo melhorou o meu estado fisco. Todos os dias, ainda quando caía neve, sob a chuva ou a tormenta, eu percorria o extenso caminho que levava à escola, e nesse percurso gastava três quartos de hora. O último trecho, freqüentemente, eu fazia correndo. Naqueles primeiros tempos difíceis do pós-guerra, não havia nem bicicletas.

O caminho passava pela frente da sede de um clube de remadores. Em 1919 foi admitido em membro daquela associação, e durante dois anos exerci a função de timoneiro, nas regatas de barcos de quatro ou oito remos. Apesar da minha débil constituição física, transformei-me em um dos melhores remadores. Aos 16 anos consegui o posto de patrão das ioles de quatro remos, e nas de oito da escola, participando de algumas regatas. Foi a primeira paixão na minha vida. A possibilidade de marcar o ritmo das remadas da tripulação atraía-me com mais força do que a oportunidade de conseguir admiração e respeito do reduzidíssimo mundo dos remadores.

Sem dúvida, éramos quase sempre vencidos. Mas, por se tratar do rendimento do esforço de uma tripulação inteira, não se considerava o rendimento pessoal. Ao contrário, a derrota originava um senso de solidariedade. Esse treinamento apresentava ainda uma vantagem, pois havíamos jurados abstinência. Naquele tempo, eu desprezava os camaradas que se divertiam pela primeira vez, fumando, dançando e bebendo vinho.

Aos 16 anos, nas minhas caminhadas à escola, conheci aquela que teria de ser minha companheira na existência. Isso me incentivou a estudar, pois falamos de casamento para quando terminassem nossos estudos. Eu já era um bom matemático, desde alguns anos. Melhorei minhas notas noutras matérias, chegando a ser um dos melhores alunos da minha classe.

Nosso professor de alemão, um democrata entusiástica, lia-nos com frequência artigos do Frankfurter Zeitung. Se não fosse esse professor eu teria pertencido na escola a um círculo inteiramente apolítico, pois estávamos sendo educados segundo a imagem do mundo conservador burguês. A distribuição do poder na sociedade, as autoridades resistentes, era algo que não se apresentavam como ordem estabelecida por Deus. Isso, apesar da revolução em marcha. Mal atingia nossa casa o eco das ações das correntes que se agitavam por toda parte e, durante os primeiros anos do decênio de 20. Também era proibida qualquer crítica à escola, às matérias e exigia uma fé sem limites na intocável autoridade do centro educativo. Nem sequer chegamos a duvidar da ordem estabelecida, pois na escola estávamos submetidos a ditadura de um absoluto sistema de domínio. Aliás, não havia matérias como a sociologia, que poderia despertar nosso juízo crítico sobre o aspecto político. Ademais, no último ano, as composições no idioma alemão baseavam-se unicamente em temas de história da literatura, que serviam, nada mais nada menos, para afastar toda reflexão sobre os problemas da sociedade. Desnecessário dizer que esse afastamento da política, dentro da escola, não nos induzia a tomar posições políticas fora do âmbito escolar, quando ocorriam acontecimentos de caráter político. Além disso, havia a impossibilidade de viajar ao estrangeiro. Não havia nenhuma organização que se ocupasse dos rapazes, ainda que eles dispusessem de dinheiro para viagens ao exterior. Parece-me necessário acentuar essa deficiência, que entregou de pés e mãos atados uma geração aos processos de influência técnicos, que se multiplicavam rapidamente.

Também em casa não se conversava sobre política, fato tanto mais surpreendente porque meu pai era um liberal convicto já desde antes de 1914. Todas as manhãs, esperava impaciente a chegada do Frankfurter Zeitung. Todas as semanas, lia os semanários humorísticos Simplicíssimus e Jugend. Pertencia ao mundo espiritual de Friederich Naumann, que propugnou pelas reformas sociais em uma Alemanha poderosa. Depois de 1923, meu pai fez se partidário do Condenhove-Kalergis, defendendo entusiasmando as idéias pan-européias desde. Talvez estivesse de bom grado falado de política comigo, se eu não evitasse as ocasiões; e meu pai então não insistia. É certo que a juventude estava decepcionada e fatigada, pela perda de uma guerra, a revolução, a inflação, o que no entanto não impedia de terem os moços a consciência das dimensões da política e das regras para formação de um juízo a respeito. Aquilo de que eu mais gostava era dirigir-me à escola, passando pelo parque de Heidelberg, e de ter-me contemplando, desde o extensíssimo terraço, com olhos sonhadores e durante alguns minutos, a velha cidade e as ruínas do palácio. Essa afeição romântica pelas fortaleza arruinadas e as vielas serpenteantes, que sempre se conservou em mim, que exprimiu-se mais tarde em minha mania de colecionar paisagens, especialmente os românticos de Heidelberg. Quando ia para a escola, às vezes, encontrava-me com Stefan George, que dava a impressão de extrema dignidade, e irradiando uma aura que se poderia qualificar de sagrada. Meu irmão mais velho estava já no último ano, quando teve acesso ao círculo íntimo do mestre.

O que mais me atraía era a música. Antes de 1922, ouvi em Mannheim o jovem Furtwangler, depois Erich Kleiber. naquela época, Verdi impressionava me mais do que Wagner. Puccini era espantoso para mim. Enquanto isso, muito me agradou uma sinfonia de Rimsky-Korsakov. Também a Quinta sinfonia de Mahler pareceu-me "bastante complicada", mas agradou-me. Depois de uma noite de teatro, concluí que Georg Kaiser era "o mais importante dramaturgo moderno", pois em suas obras analisava "o conceito, o valor e o poder do dinheiro". Quando vi O pato selvagem de Ibsen, vi que as qualidades da camada social dirigente repercutiram em nós de uma maneira ridícula. Eram, segundo meu ponto de vista, autênticos personagens de comédia. Com seu romance Jean Christophe, Romain Rolland aumentou o meu entusiasmo por Beethoven.

Assim, não se devia unicamente a impulsos de grosseira juvenil o fato de não me agradar a ostentosa vida social que havia em minha casa. Ocorria imediatamente oposição geral quando eu exprimia minhas preferências pelos autores que criticavam a sociedade, quando buscava meus amigos entre os camaradas da sociedade de remadores ou nos refúgios alpinos dos montanheses. Até a simpatia para com uma modesta família burguesa composta de artesões contrariava o costume de busca de amigos e de futura esposa na fechada camada social a que pertenciam meus progenitores. Eu me opunha a qualquer compromisso de cunho político. Mas isto não alterava em absoluto o fato de que me sentia nacionalista até a medula dos ossos e me exaltasse, por exemplo, durante a ocupação da bacia do Ruhr (1923), quando houve a ameaçadora crise do carvão ou quando se tratava de diversões não adequadas às circunstâncias.

Para minha surpresa, compus a melhor prova de término de curso. Mas pensei comigo mesmo: "isso apenas podes almejar", quando o reitor da escola em seu discurso de despedida os bacharéis disse que agora "abria-se ante de nós o caminho que nos conduziria a empreendimentos e honrarias elevadas".

Tendo sido o melhor aluno de matemática da escola, minha intenção era continuar o estudo dessa ciência. Mas meu pai, opondo argumentos ponderáveis, discordou da minha intenção. E eu não seria um matemático familiarizado com a lógica se não tivesse cedido às ponderações do meu progenitor. A profissão mais lógica para mim seria a de arquiteto, da qual já assimilava tantas coisas, já nos primeiros anos de estudos. Para grande alegria de meu pai, escolhi a carreira de arquiteto, é a mesma profissão dele e de meu avô.

Por motivos de ordem econômica, frequentei durante o primeiro semestre a Escola Técnica Superior na cidade próxima de Karlsruhe, pois a inflação se agravava rapidamente de dia para dia. Isso me obrigava a fazer meus pagamentos por semana, pois uma quantia fabulosa se reduzia a nada, no final de sete dias. Eis o que escrevi em meados de setembro de 1925, a respeito de uma incursão à Floresta Negra: "tudo está muito barato, aqui! O pernoite custa quatrocentos mil marcos, uma ceia um milhões e oitocentos mil marcos. Meio litro de leite, duzentos e cinqüenta mil marcos". Seis semanas depois, pouco antes de terminar a inflação, uma refeição em um restaurante custava ter vinte bilhões de marcos e na mesa de estudantes mais de um bilhão, o equivalente a sete centavos-ouro. Por uma entrada de teatro, tive que deve pagar cerca de quatrocentos milhões de marcos.

Como conseqüência da catástrofe econômica, minha família viu-se obrigada a vender a casa comercial e a fábrica do meu falecido avô a um consórcio industrial por uma fração de seu valor e, mediante bônus do Tesouro, em dólares. Minha mesada mensal ascendia agora a dezesseis dólares, quantia com que eu poderia viver magnificamente, livre de toda preocupação.

Terminada a inflação, transferi-me na primavera de 1924 para a Escola Superior de Munique. Ali permaneci até o verão de 1925.  Hitler voltou a dar o que falar na primavera de 1925, depois da saída da prisão militar, mas não tomei conhecimento disso. Em minhas extensas cartas a minha namorada, eu falava somente do meu trabalho, que se prolongava até a noite, de nosso desejo de nos casar nos dentro de três ou quatro anos.

Minha futura esposa e eu tínhamos o costume de nos reunir, freqüentemente, durante as férias, a outros estudantes e passar os dias de descanso em um refúgio nos Alpes austríacos. As excursões cansativas dava-nos a impressão de verdadeiras proezas. Também em nossas viagens em botes desmontáveis buscávamos a "comunhão com a natureza". Naquela época, essas discussões eram uma novidade. Descíamos em silêncio os rios e, chegando à noite, montávamos nossas tendas nos locais mais bonitos. Aquelas excursões aprazível dava-nos um pouco daquela felicidade que fora algo inteiramente compreensível para nossos antepassados. Em 1885, meu pai fez uma viagem de Munique a Nápoles, regressando à pé e em uma carruagem. Mais tarde, quando pôde cruzar toda a Europa em seu automóvel, disse que aquela antiga excursão fora a mais importante de suas viagens.

Muitos da nossa geração buscavam contato com a natureza. Não se tratava de um protesto uma contra a vulgaridade burguesa. Fugiam mas, sim, de um mundo cada vez mais complicado. No outono de 1925, fui com um grupo de estudantes de arquitetura de Munique à Escola Técnica Superior de Berlim-Charlottenburgo. Escolhi como mestre o professor Poelzig. Mas esse professor limitara o número de lugares em seus seminários. E não foi admitido porque minhas aptidões como desenhista foram consideradas insatisfatórias. No semestre seguinte, foi nomeado para Berlim o professor Heinrich Tessenov, defensor do artesão e do provinciano. Ele reduzia ao mínimo possível a expressão da sua arquitetura: "O decisivo é sempre o mínimo de gasto". Também apreciava muito nosso catedrático de história da arquitetura. O professor Daniel Krenkler, alsaciano de nascença, não somente era um arqueólogo, inteiramente dedicado à sua profissão, como também um patriota emotivo. Em certa ocasião, descrevendo-nos em uma conferência um mosteiro de Estraburgo, chorou tanto que teve que interromper a preleção. Fiz para ele a resenha do livro de  Albrecht Haupt, A arquitetura dos germanos.

Os vinte anos transcorridas em Berlim foram básicos da minha vida de estudante. Também frequentei teatro, sedo muitas das peças que me causaram grande impressão: a montagem, por Max Reinhardt, do Sonho de uma noite de verão, de Shakespeare; Elisabeth Bergner em A donzela de Órleans, de Bernard Shaw; Pallenberg na representação de Schweik por Piskator. Mas também me atraíam enormemente as revistas de Charell, extraordinariamente suntuosas. No entanto, ainda não sentia nenhum prazer na pompa enfática dos filmes de Cecil B. de Mille; isso sem suspeitar de que, dez anos depois, eu deixaria diminuída essa arquitetura cinematográfica. Naquele tempo, para mim, os seus filmes eram "muito americanos e careciam de gosto".

Por outro lado, todas as minhas impressões estavam sombriamente afetadas pela pobreza e desemprego do operariado. A decadência do Ocidente, de Spengler, convencera-me de que estávamos vivendo em um período de decadência semelhante ao dos últimos tempos da era romana: inflação, relaxamento dos costumes, a impotência do governo. O ensaio Prussianismo e socialismo fascinou-me pelo desprezo do luxo e da comodidade. Nela se amalgamavam a doutrina de Sprengler e os ensinamentos de Tessenov. No entanto, meu professor, contrariando Sprengler, tinha ainda esperança no futuro. Em tom irônico, opunha-se ao "culto dos heróis", habitual naquela época.



No verão de 1927, depois de nove semestres de estudos, obtive o diploma de arquiteto. Na primavera seguinte, quando tinha 23 anos, eu era um dos mais jovens assistentes da Escola Técnica Superior. No último ano da guerra, quando participava da organização de uma tômbola, uma profetiza me dissera: "obterás fama, muito cedo, e também cedo irás descansar". Naquelas circunstâncias, havia razão para eu pensar naquela profecia. Havia um certo fundamento na minha idéia de que, caso desejasse, chegaria a ocasião em que eu daria aulas na Escola técnica Superior, como o meu professor.

O cargo de assistente possibilitou-me o casamento. Não fizemos a viagem de lua-de-mel na Itália, mas em nosso barco desmontável percorremos os lagos de Mecklenburgo e em nossa tenda de campo nos demoramos nos bosques que rodeiam esses três lagos. Lançamos nosso barco na água em Spandau, a algumas centenas de metros da prisão onde depois se transcorreriam 20 anos da minha existência.

2 comentários:

  1. Vocês colocaram o mesmo link para o Capitulo 01 e 02, só avisando. Obrigado pela postagem. link para o capitulo 2:

    http://opivo.blogspot.com.br/2013/01/albert-speer-por-dentro-do-iii-reich-02.html

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