Capítulo 01 - Origem e
mocidade
Meus antepassados foram
suábios, também descendentes de camponeses pobres em Westervald, sendo alguns
oriundos da Silésia e Vestfália. Eram da grande massa de criaturas que passam
por este mundo sem glória nem pena. Houve só uma exceção: o marechal hereditário
Conde Friederich von Pappenheim (1702-1793),
que teve oito filhos com a minha antepassada Humelin, com a qual, aliás,
não casou. E, segundo parece, não se preocupou muito com o bem-estar desses
filhos.
Três gerações depois, meu avô
Hermann Hommel, filho de um pobre guarda florestal na Floresta Negra, no fim da
sua existência, acabou sendo o único proprietário da casa comercial alemã de
máquinas-ferramentas e de uma fábrica de aparelhos de precisão. Apesar da sua
riqueza, vivia modestamente e tratava seus empregados como um pai. Não somente
foi dedicado ao seu trabalho, mas também possuía o dom de fazer que os outros
trabalhassem independentemente. Era um homem típico da Floresta Negra,
reflexivo, capaz de estar horas e horas sentado em um banco no bosque, sem dar
uma palavra.
E o outro avô, Berthold
Speer, naquele tempo, era um abastado arquiteto, estabelecido em Dortmund. Ergueu
numerosos edifícios em estilo clássico, predominante naquela época. Morreu
ainda moço, mas deixou uma herança suficiente para a boa educação dos quatro
filhos. A industrialização durante a segunda metade do século XIX contribuiu
muito para a prosperidade dos meus dois avós, não sendo esse o caso de outros
que começaram sobre melhores auspícios. A mãe de meu pai, cujos cabelos ficaram
brancos antes do tempo, infundiu em mim, durante a minha meninice, mais
respeito do que amor. Era uma mulher sisuda, que se orientava por suas idéias,
das quais não se afastava 1 mm, sendo dotada de tremenda energia. Dominava a
todos que a rodeavam.
Nasci em um domingo, 19/03/1905,
ao meio-dia. Dizia minha mãe que os trovões de uma tormenta de primavera não
deixavam ouvir o repique dos sinos de uma igreja próxima. Meu pai, independente
aos 29 anos (em 1892), era um dos arquitetos mais ocupados em Mannheim, cidade
industrial de Baden, florescente naquela época. Tinha já realizado um
considerável capital, quando em 190 casou-se com a filha de um poderoso
comerciante de Mogúncia. O pomposo estilo burguês de nossa residência correspondia
ao êxito e prestígio de nossos pais. Grandes portões de ferro forjado com
grandes arabescos davam acesso a uma casa imponente em cujo pátio podiam
permanecer dois automóveis.
Minha mãe, sentindo o orgulho
de burguesa endinheirada, empenhava-se em manter a família no círculo das
melhores de Mannheim. Sem dúvida, não havia mais do que umas 20 a 30 famílias
em condições de fazer despesas com esse objetivo, despesas em que se incluía
remuneração dos domésticos, um tanto numerosos. Meus pais faziam o possível por
proporcionar aos filhos uma juventude satisfeita e livre de preocupações. Mas,
além da satisfação desse anelo, havia as barreiras suscitadas pela sua riqueza
e luxo, as obrigações sociais, o esplêndido serviço da casa, a governanta e o
pessoal de serviço. Hoje, percebo como era artificiosa e incômoda aquela
maneira de viver. Além disso, freqüentemente eu sofria de desmaios, perdendo os
sentidos. Um dos médicos em Heidelberg diagnosticou: debilidade neurovascular.
Essa deficiência física o originou um sofrimento e espiritual, submetendo-me
desde cedo a desagradáveis circunstâncias na vida exterior. Na companhia de
meus colegas de jogos, como também dos meus irmãos, mais robustos do que eu,
sentia-me em situação de inferioridade. De vez em quando, eles criavam
embaraços desagradáveis para mim.
Uma deficiência física,
freqüentemente, sugere recursos para superá-la. As minhas dificuldades ensinaram-me
a adaptar com maior flexibilidade ao mundo juvenil que me rodeava. Talvez se
possa atribuir a minha deficiência física, na meninice, a minha habilidade em
enfrentar situações difíceis e tratar com pessoas incômodas.
Quando estávamos acompanhados
de nossa ama, uma senhorita francesa, tínhamos que nos vestir irrepreensivelmente,
de acordo com a nossa posição social. Não podíamos brincar nos parques, para
não falar das ruas. Nosso campo de jogos era o pátio interno da nossa
residência e, não muito mais amplo do que a área de vários dos nossos quartos,
rodeado pelas paredes dos fundos das casas vizinhas, de alguns andares de
altura.
Aprendi as primeiras letras
em uma elegante escola particular, onde se ensinava a ler e a escrever aos
filhos das principais famílias da nossa cidade industrial. Sendo um menino
cercado de cuidados, foram para mim muito difíceis nos primeiros meses na
Escola Real Superior, no meio de discípulos indiferentes. Mas o meu amigo
Quenzer não tardou em familiarizar-se com toda a classe de picardias,
induzindo-me até a comprar uma bola de futebol com o dinheiro que recebia para
meus gastos. Quando souberam disso em minha casa, houve um espanto geral, pois
o futebol era considerado um jogo plebeu, e, além disso, Quenzer pertencia a
uma classe pobre.
Nessa época despertou em mim a
tendência para anotar os fatos, segundo um critério estatístico. No meu Caderno Fênix para alunos eu registrava
todas as notas más, constantes no livro de aula, e nele relacionava, todos os
meses, os nomes de quem fora repreendido o maior número de vezes durante o mês.
O escritório de arquitetura
de meu pai era vizinho à nossa residência. Lá se faziam os esboços das grandes
perspectivas para os contratos de construções. Os desenhos eram feitos em papel
acetinados, de cor azul, mas esta, em minha lembrança, se confunde com a das paredes
da sala. As obras de meu pai, influenciadas pelo neo-renascimento, tinham feito
a abstração do estilo da mocidade. Mais tarde, serviu de exemplo Ludwig
Hoffmann, o influente engenheiro-chefe da municipalidade de Berlim, cujo estilo
era um classicismo mais sereno.
Eu tinha pouco mais de doze
anos quando apareceu no escritório, como presente de aniversário para meu pai,
minha primeira "obra de arte": o desenho de uma espécie de relógio da
vida, dentro de uma caixa enfeitada de muitos arabescos, sobre colunas coríntias
e volutas audaciosas. No meu trabalho, utilizei-me de todos as cores de
aquarela que pude encontrar. Auxiliado por todos os empregados do escritório,
compus uma figura na qual se conheciam claras tendências, à época, do estilo Império
tardio.
Além de um automóvel
conversível para o verão, meus progenitores possuíam, antes de 1914, um carro
fechado, que servia, no inverno, para idas à cidade. Esses carros atraíam os
meus entusiasmos de cunho técnico. Foram essas as minhas primeiras impressões, prenúncio
da embriaguez técnica em um mundo que começava a ser governado pela tecnologia.
Somente depois, tendo vivido vinte anos na prisão de Spandau, como um homem do
século XX sem rádio, sem televisão nem automóvel, quando não podia sequer mexer
no interruptor da luz elétrica, voltei a sentir uma felicidade parecida com a
de quem, depois de dez anos de prisão, podia utilizar uma enceradeira elétrica.
Em 1915, tive contato com
outro fato revolucionário no terreno das invenções técnicas. Estava em Mannheim
um dos dirigíveis que tinha voado sobre Londres. O comandante e seus oficiais
não tardaram em freqüentar assiduamente nossa casa. Convidaram a mim e aos meus
irmãos a irmos ver o dirigível. Aos 10 anos de idade contemplei de perto a
aquele gigante da técnica, subi a barquinha do motor, andei pelos misteriosos e
quase escuros passadiços do interior da nave e estive na barquinha de comando.
Quando ao entardecer o dirigível alçou vôo, o comandante fê-lo dar uma volta
sobre o prédio da nossa casa, enquanto um oficial agitava um leque emprestado
por minha mãe. Durante noites, estive angustiando pela idéia de que a nave
poderia incendiar-se, ocasionando a morte de nossos amigos.
Minha fantasia não se
afastava da guerra, dos avanços e recuos na frente da batalha, dos sofrimentos
e castigos impostos aos soldados. À noite, durante meses, ouvia-se o longínquo
troar dos canhões na Batalha de Verdun animado pelo desejo infantil de participar
do sofrimento dos soldados, muitas vezes dormia no chão, ao lado da minha cama
macia, supondo que estirado no assoalho duro identificava-me mais com as
privações que os soldados sofriam na frente.
Também tivemos que padecer as
conseqüências da má alimentação nas grandes cidades e do "inverno dos
nabos". Tínhamos muito dinheiro, mas não dispúnhamos de parentes ou de
conhecidos no campo, melhor abastecido. Minha mãe sabia preparar os nabos de
modos diferentes. Mas eu sentia tanta fome que, aos poucos, fui me alimentando
com as tortas para os cachorros, que se guardavam em um saco. Essas tortas eram
duras como pedras, mas eu as ia devorando com um tremendo apetite. Também
começaram os ataques aéreos a Mannheim (ataques completamente inofensivos, se
comparados com os atuais), tendo caído uma bomba sobre uma das casas vizinhas à
nossa. Começou então uma nova fase da minha mocidade.
Desde 195, possuímos, nas
proximidades de Heidelberg, uma casa de veraneio, construída na encosta de uma
pedreira de conde, segundo diziam que foi extraída a pedra para a construção do
Palácio de Heidelberg, já havia tanto tempo. Por trás do terreno, levantam-se
as montanhas de Ondenwald. Serpenteiam veredas pelo velho bosque da encosta. As
clareiras permitiam, de quando em quando, descansar a vista na contemplação do
vale do Neckar. Lá havia tranquilidade, um formoso jardim, vegetação. O vizinho possuía uma vaca. Fomos
para essa casa no verão de 1918.
Logo melhorou o meu estado
fisco. Todos os dias, ainda quando caía neve, sob a chuva ou a tormenta, eu
percorria o extenso caminho que levava à escola, e nesse percurso gastava três
quartos de hora. O último trecho, freqüentemente, eu fazia correndo. Naqueles
primeiros tempos difíceis do pós-guerra, não havia nem bicicletas.
O caminho passava pela frente
da sede de um clube de remadores. Em 1919 foi admitido em membro daquela
associação, e durante dois anos exerci a função de timoneiro, nas regatas de
barcos de quatro ou oito remos. Apesar da minha débil constituição física,
transformei-me em um dos melhores remadores. Aos 16 anos consegui o posto de
patrão das ioles de quatro remos, e nas de oito da escola, participando de
algumas regatas. Foi a primeira paixão na minha vida. A possibilidade de marcar
o ritmo das remadas da tripulação atraía-me com mais força do que a
oportunidade de conseguir admiração e respeito do reduzidíssimo mundo dos
remadores.
Sem dúvida, éramos quase
sempre vencidos. Mas, por se tratar do rendimento do esforço de uma tripulação
inteira, não se considerava o rendimento pessoal. Ao contrário, a derrota originava
um senso de solidariedade. Esse treinamento apresentava ainda uma vantagem,
pois havíamos jurados abstinência. Naquele tempo, eu desprezava os camaradas
que se divertiam pela primeira vez, fumando, dançando e bebendo vinho.
Aos 16 anos, nas minhas
caminhadas à escola, conheci aquela que teria de ser minha companheira na
existência. Isso me incentivou a estudar, pois falamos de casamento para quando
terminassem nossos estudos. Eu já era um bom matemático, desde alguns anos.
Melhorei minhas notas noutras matérias, chegando a ser um dos melhores alunos
da minha classe.
Nosso professor de alemão, um
democrata entusiástica, lia-nos com frequência artigos do Frankfurter Zeitung. Se não fosse esse professor eu teria pertencido
na escola a um círculo inteiramente apolítico, pois estávamos sendo educados
segundo a imagem do mundo conservador burguês. A distribuição do poder na
sociedade, as autoridades resistentes, era algo que não se apresentavam como
ordem estabelecida por Deus. Isso, apesar da revolução em marcha. Mal atingia
nossa casa o eco das ações das correntes que se agitavam por toda parte e,
durante os primeiros anos do decênio de 20. Também era proibida qualquer
crítica à escola, às matérias e exigia uma fé sem limites na intocável
autoridade do centro educativo. Nem sequer chegamos a duvidar da ordem
estabelecida, pois na escola estávamos submetidos a ditadura de um absoluto
sistema de domínio. Aliás, não havia matérias como a sociologia, que poderia despertar
nosso juízo crítico sobre o aspecto político. Ademais, no último ano, as
composições no idioma alemão baseavam-se unicamente em temas de história da
literatura, que serviam, nada mais nada menos, para afastar toda reflexão sobre
os problemas da sociedade. Desnecessário dizer que esse afastamento da
política, dentro da escola, não nos induzia a tomar posições políticas fora do
âmbito escolar, quando ocorriam acontecimentos de caráter político. Além disso,
havia a impossibilidade de viajar ao estrangeiro. Não havia nenhuma organização
que se ocupasse dos rapazes, ainda que eles dispusessem de dinheiro para
viagens ao exterior. Parece-me necessário acentuar essa deficiência, que
entregou de pés e mãos atados uma geração aos processos de influência técnicos,
que se multiplicavam rapidamente.
Também em casa não se
conversava sobre política, fato tanto mais surpreendente porque meu pai era um
liberal convicto já desde antes de 1914. Todas as manhãs, esperava impaciente a
chegada do Frankfurter Zeitung. Todas
as semanas, lia os semanários humorísticos Simplicíssimus
e Jugend. Pertencia ao mundo
espiritual de Friederich Naumann, que propugnou pelas reformas sociais em uma
Alemanha poderosa. Depois de 1923, meu pai fez se partidário do Condenhove-Kalergis,
defendendo entusiasmando as idéias pan-européias desde. Talvez estivesse de bom
grado falado de política comigo, se eu não evitasse as ocasiões; e meu pai
então não insistia. É certo que a juventude estava decepcionada e fatigada,
pela perda de uma guerra, a revolução, a inflação, o que no entanto não impedia
de terem os moços a consciência das dimensões da política e das regras para formação
de um juízo a respeito. Aquilo de que eu mais gostava era dirigir-me à escola,
passando pelo parque de Heidelberg, e de ter-me contemplando, desde o
extensíssimo terraço, com olhos sonhadores e durante alguns minutos, a velha
cidade e as ruínas do palácio. Essa afeição romântica pelas fortaleza arruinadas
e as vielas serpenteantes, que sempre se conservou em mim, que exprimiu-se mais
tarde em minha mania de colecionar paisagens, especialmente os românticos de
Heidelberg. Quando ia para a escola, às vezes, encontrava-me com Stefan George,
que dava a impressão de extrema dignidade, e irradiando uma aura que se poderia
qualificar de sagrada. Meu irmão mais velho estava já no último ano, quando
teve acesso ao círculo íntimo do mestre.
O que mais me atraía era a
música. Antes de 1922, ouvi em Mannheim o jovem Furtwangler, depois Erich
Kleiber. naquela época, Verdi impressionava me mais do que Wagner. Puccini era
espantoso para mim. Enquanto isso, muito me agradou uma sinfonia de
Rimsky-Korsakov. Também a Quinta sinfonia
de Mahler pareceu-me "bastante complicada", mas agradou-me. Depois de
uma noite de teatro, concluí que Georg Kaiser era "o mais importante
dramaturgo moderno", pois em suas obras analisava "o conceito, o
valor e o poder do dinheiro". Quando vi O pato selvagem de Ibsen, vi que as qualidades da camada social
dirigente repercutiram em nós de uma maneira ridícula. Eram, segundo meu ponto
de vista, autênticos personagens de comédia. Com seu romance Jean Christophe,
Romain Rolland aumentou o meu entusiasmo por Beethoven.
Assim, não se devia
unicamente a impulsos de grosseira juvenil o fato de não me agradar a ostentosa
vida social que havia em minha casa. Ocorria imediatamente oposição geral
quando eu exprimia minhas preferências pelos autores que criticavam a
sociedade, quando buscava meus amigos entre os camaradas da sociedade de remadores
ou nos refúgios alpinos dos montanheses. Até a simpatia para com uma modesta família
burguesa composta de artesões contrariava o costume de busca de amigos e de
futura esposa na fechada camada social a que pertenciam meus progenitores. Eu
me opunha a qualquer compromisso de cunho político. Mas isto não alterava em
absoluto o fato de que me sentia nacionalista até a medula dos ossos e me
exaltasse, por exemplo, durante a ocupação da bacia do Ruhr (1923), quando
houve a ameaçadora crise do carvão ou quando se tratava de diversões não
adequadas às circunstâncias.
Para minha surpresa, compus a
melhor prova de término de curso. Mas pensei comigo mesmo: "isso apenas
podes almejar", quando o reitor da escola em seu discurso de despedida os
bacharéis disse que agora "abria-se ante de nós o caminho que nos
conduziria a empreendimentos e honrarias elevadas".
Tendo sido o melhor aluno de
matemática da escola, minha intenção era continuar o estudo dessa ciência. Mas
meu pai, opondo argumentos ponderáveis, discordou da minha intenção. E eu não
seria um matemático familiarizado com a lógica se não tivesse cedido às
ponderações do meu progenitor. A profissão mais lógica para mim seria a de
arquiteto, da qual já assimilava tantas coisas, já nos primeiros anos de estudos.
Para grande alegria de meu pai, escolhi a carreira de arquiteto, é a mesma
profissão dele e de meu avô.
Por motivos de ordem
econômica, frequentei durante o primeiro semestre a Escola Técnica Superior na
cidade próxima de Karlsruhe, pois a inflação se agravava rapidamente de dia
para dia. Isso me obrigava a fazer meus pagamentos por semana, pois uma quantia
fabulosa se reduzia a nada, no final de sete dias. Eis o que escrevi em meados
de setembro de 1925, a respeito de uma incursão à Floresta Negra: "tudo
está muito barato, aqui! O pernoite custa quatrocentos mil marcos, uma ceia um
milhões e oitocentos mil marcos. Meio litro de leite, duzentos e cinqüenta mil
marcos". Seis semanas depois, pouco antes de terminar a inflação, uma
refeição em um restaurante custava ter vinte bilhões de marcos e na mesa de
estudantes mais de um bilhão, o equivalente a sete centavos-ouro. Por uma
entrada de teatro, tive que deve pagar cerca de quatrocentos milhões de marcos.
Como conseqüência da
catástrofe econômica, minha família viu-se obrigada a vender a casa comercial e
a fábrica do meu falecido avô a um consórcio industrial por uma fração de seu
valor e, mediante bônus do Tesouro, em dólares. Minha mesada mensal ascendia
agora a dezesseis dólares, quantia com que eu poderia viver magnificamente,
livre de toda preocupação.
Terminada a inflação,
transferi-me na primavera de 1924 para a Escola Superior de Munique. Ali
permaneci até o verão de 1925. Hitler
voltou a dar o que falar na primavera de 1925, depois da saída da prisão
militar, mas não tomei conhecimento disso. Em minhas extensas cartas a minha
namorada, eu falava somente do meu trabalho, que se prolongava até a noite, de
nosso desejo de nos casar nos dentro de três ou quatro anos.
Minha futura esposa e eu
tínhamos o costume de nos reunir, freqüentemente, durante as férias, a outros
estudantes e passar os dias de descanso em um refúgio nos Alpes austríacos. As
excursões cansativas dava-nos a impressão de verdadeiras proezas. Também em
nossas viagens em botes desmontáveis buscávamos a "comunhão com a
natureza". Naquela época, essas discussões eram uma novidade. Descíamos em
silêncio os rios e, chegando à noite, montávamos nossas tendas nos locais mais
bonitos. Aquelas excursões aprazível dava-nos um pouco daquela felicidade que
fora algo inteiramente compreensível para nossos antepassados. Em 1885, meu pai
fez uma viagem de Munique a Nápoles, regressando à pé e em uma carruagem. Mais
tarde, quando pôde cruzar toda a Europa em seu automóvel, disse que aquela antiga
excursão fora a mais importante de suas viagens.
Muitos da nossa geração buscavam
contato com a natureza. Não se tratava de um protesto uma contra a vulgaridade
burguesa. Fugiam mas, sim, de um mundo cada vez mais complicado. No outono de
1925, fui com um grupo de estudantes de arquitetura de Munique à Escola Técnica
Superior de Berlim-Charlottenburgo. Escolhi como mestre o professor Poelzig.
Mas esse professor limitara o número de lugares em seus seminários. E não foi
admitido porque minhas aptidões como desenhista foram consideradas
insatisfatórias. No semestre seguinte, foi nomeado para Berlim o professor
Heinrich Tessenov, defensor do artesão e do provinciano. Ele reduzia ao mínimo
possível a expressão da sua arquitetura: "O decisivo é sempre o mínimo de
gasto". Também apreciava muito nosso catedrático de história da
arquitetura. O professor Daniel Krenkler, alsaciano de nascença, não somente
era um arqueólogo, inteiramente dedicado à sua profissão, como também um
patriota emotivo. Em certa ocasião, descrevendo-nos em uma conferência um
mosteiro de Estraburgo, chorou tanto que teve que interromper a preleção. Fiz
para ele a resenha do livro de Albrecht
Haupt, A arquitetura dos germanos.
Os vinte anos transcorridas
em Berlim foram básicos da minha vida de estudante. Também frequentei teatro,
sedo muitas das peças que me causaram grande impressão: a montagem, por Max
Reinhardt, do Sonho de uma noite de verão,
de Shakespeare; Elisabeth Bergner em A
donzela de Órleans, de Bernard Shaw; Pallenberg na representação de Schweik
por Piskator. Mas também me atraíam enormemente as revistas de Charell,
extraordinariamente suntuosas. No entanto, ainda não sentia nenhum prazer na
pompa enfática dos filmes de Cecil B. de Mille; isso sem suspeitar de que, dez
anos depois, eu deixaria diminuída essa arquitetura cinematográfica. Naquele
tempo, para mim, os seus filmes eram "muito americanos e careciam de
gosto".
Por outro lado, todas as
minhas impressões estavam sombriamente afetadas pela pobreza e desemprego do
operariado. A decadência do Ocidente,
de Spengler, convencera-me de que estávamos vivendo em um período de decadência
semelhante ao dos últimos tempos da era romana: inflação, relaxamento dos
costumes, a impotência do governo. O ensaio Prussianismo
e socialismo fascinou-me pelo desprezo do luxo e da comodidade. Nela se
amalgamavam a doutrina de Sprengler e os ensinamentos de Tessenov. No entanto,
meu professor, contrariando Sprengler, tinha ainda esperança no futuro. Em tom
irônico, opunha-se ao "culto dos heróis", habitual naquela época.
No verão de 1927, depois de
nove semestres de estudos, obtive o diploma de arquiteto. Na primavera
seguinte, quando tinha 23 anos, eu era um dos mais jovens assistentes da Escola
Técnica Superior. No último ano da guerra, quando participava da organização de
uma tômbola, uma profetiza me dissera: "obterás fama, muito cedo, e também
cedo irás descansar". Naquelas circunstâncias, havia razão para eu pensar naquela
profecia. Havia um certo fundamento na minha idéia de que, caso desejasse,
chegaria a ocasião em que eu daria aulas na Escola técnica Superior, como o meu
professor.
O cargo de assistente
possibilitou-me o casamento. Não fizemos a viagem de lua-de-mel na Itália, mas
em nosso barco desmontável percorremos os lagos de Mecklenburgo e em nossa
tenda de campo nos demoramos nos bosques que rodeiam esses três lagos. Lançamos
nosso barco na água em Spandau, a algumas centenas de metros da prisão onde
depois se transcorreriam 20 anos da minha existência.
cade o capitulo 2?
ResponderExcluirVocês colocaram o mesmo link para o Capitulo 01 e 02, só avisando. Obrigado pela postagem. link para o capitulo 2:
ResponderExcluirhttp://opivo.blogspot.com.br/2013/01/albert-speer-por-dentro-do-iii-reich-02.html